NOTÍCIA

25 de novembro, lawfare de gênero e violência contra as mulheres: como enfrentar?

O 25 de novembro é o Dia Internacional do Combate à Violência contra as Mulheres. A data foi acolhida pela Assembleia das Nações Unidas (ONU) em 1999, em homenagem às irmãs dominicanas Patria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, conhecidas como "Las Mariposas", que foram brutalmente assassinadas em 25 de novembro de 1960 na República Dominicana, devido à sua oposição ao regime autoritário do então ditador Rafael Trujillo.

 

Há muito que a violência sofrida pelas mulheres se desdobra em tantas frentes que vão muito além dos limites da violência física ou psicológica. Dentre as diferentes formas de agressões, emerge o chamado Lawfare de Gênero – uma prática aprofundada no Brasil pela Professora Soraia da Rosa Mendes em livro de título idêntico. O lawfare (termo que combina as palavras em inglês law/lei e warfare/guerra) é a conduta estratégica e mal-intencionada que utiliza o sistema jurídico normativo existente ou a própria lei como ferramenta para atacar, desacreditar e minar o poder moral, físico e econômico das mulheres, aprofundando violências processuais, institucionais e políticas, com o fim de silenciar as mulheres, transformando a lei e as instituições em armas de perseguição individual. 

 

Embora esta ideia de manipular o sistema judicial para prejudicar adversários tenha raízes mais antigas, o termo lawfare foi popularizado pelo general Charles Dunlap, da Força Aérea dos Estados Unidos, em artigo do ano de 2001, num contexto militar, para se alcançar um objetivo estratégico e operacional contra os inimigos.

 

Trazendo para o contexto da violência contra as mulheres, o lawfare de gênero desestabiliza e desacredita as mulheres, expondo-as a processos judiciais diversos, a denúncias infundadas e à violência institucional em todas as frentes lícitas existentes. Estas práticas sistematizadas e agressivas frequentemente se estendem às advogadas que defendem as mulheres violentadas, tratando a defesa e atuação técnica como se fossem partes dos processos. 

 

Para se ilustrar, uma mesma mulher pode ser penalizada por um mesmo agressor em várias esferas jurídicas distintas e orquestradas, como, por exemplo: se servidora pública, ser denunciada disciplinarmente ou criminalmente em face de sua atuação profissional; se mãe, ser processada judicialmente para a retirada de guarda de filhos, pensão alimentícia ou imputada como alienadora parental de suas crianças; se proprietária de algum bem, ser acionada civilmente para entrega ou partilha forçada; se expressou opinião distinta ou qualquer dissabor frente ao agressor, ser processada criminalmente por injúria, calúnia ou difamação; se empregadora ou empregada, denunciada por questões relacionadas ao direito do trabalho. 

 

Neste exemplo acima, esta mulher se veria obrigada a contratar diversos(as) advogados(as) de especialidades diferentes para sua defesa processual, supostamente por questões processuais distintas (se percebidas de forma isolada), orquestrada por um mesmo agressor em um mesmo momento de vida, gerando demasiado ônus financeiro para defesa técnica e sua subsistência, além do desgaste psicológico e moral de suportar as pressões formais e os desdobramentos desse enfrentamento em seu cotidiano.

 

Este agir violento e sistêmico intensifica os obstáculos já impostos pela estrutura patriarcal e age como mais um tipo de violência de gênero contra as mulheres. A dinâmica agressiva expressada por meio da manipulação jurídica em várias frentes, reforça o controle sobre os corpos femininos em suas existências públicas ou privadas, com especial destaque para aquelas que ocupam arenas de poder ou se defrontam com oponentes intelectual ou financeiramente mais privilegiados, simplesmente por se posicionar contra o status quo e desafiar as estruturas institucionais machistas.

 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está atento a estas violências estruturais contra as mulheres e tem se debruçado, há algum tempo, nos estudos técnicos que culminaram no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021. O documento, medida importante para combate ao lawfare de gênero, orienta magistrados e profissionais do direito a reconhecer e combater desigualdades de gênero nos processos judiciais, promovendo julgamentos equitativos no âmbito do Poder Judiciário. O Protocolo pretende extinguir preconceitos e estereótipos que perpetuem discriminações, especialmente contra mulheres e grupos marginalizados, e garantir que as decisões proferidas nos processos judiciais reflitam o respeito aos princípios de igualdade, justiça e direitos humanos. 

 

Importante ainda fazer um breve paralelo entre as masculinidades hegemônicas e o lawfare de gênero. Os dois temas se comunicam profundamente, porque ambos refletem e perpetuam estruturas de poder e dominação que historicamente limitam o espaço das mulheres na sociedade, remetendo-as sistematicamente ao silenciamento e espaços domésticos. As masculinidades hegemônicas, marcadas por valores sedimentados como a competição, a posse, a autoridade e o controle, sustentam uma cultura de domínio que busca manter o poder masculino em esferas públicas e de decisão, como a política, a justiça e o ambiente corporativo. Essa construção de masculinidade reforça a ideia de que qualquer avanço da mulher em espaços de liderança ou influência é uma "ameaça" à ordem vigente, o que, em tempos de radicalismos e polarizações, gera resistência e hostilidade, culminando nas condutas violentas que se pretende combater.

 

A masculinidade hegemônica é um padrão que rejeita a expressão emocional, que impõe a competição como valor central (ao invés da colaboração) e que perpetua a visão das mulheres como pessoas de classes inferiores em direitos e obrigações. Esse modelo nocivo sustenta não só a violência direta, mas também dá seguimento a formas sutis e persistentes de deslegitimação e controle. Ele alimenta uma visão de mundo em que as mulheres, mesmo com suas capacidades e conquistas, precisam constantemente provar seu valor.

 

Fomentar a educação transformadora, a diversidade e a construção de masculinidades não hegemônicas, que valorizem a igualdade de gênero, engajem-se nas lutas das mulheres e incentivem crianças e adultos a ser tornarem pessoas funcionais, praticando relações saudáveis e colaborativas, é essencial para combater a violência de gênero em todas as suas formas, inclusive o lawfare. Para isso, é fundamental desenvolver políticas públicas, programas educacionais e ações comunitárias para envolver jovens e adolescentes na desconstrução dos estereótipos de gênero e na promoção de uma cultura de paz, respeito e equidade.

 

Neste 25 de novembro, o desafio é claro: combater as múltiplas formas de violência contra as mulheres, incluindo o enfrentamento do lawfare por meio de sua exposição e combate sistêmico, além de questionar as masculinidades hegemônicas que sustentam estas práticas. Embora seja um caminho desafiador, é necessário para avançarmos rumo a uma sociedade livre de violências e marcada pela justiça e equidade para todas as pessoas.

 

Por Michele Milanez Schneider Arcieri, advogada do Trindade & Arzeno Advogados Associados

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